Revista Sinais Vitais 108

 

SUMÁRIO

Contributos para a qualidade dos cuidados de saúde em fim de vida

Úlceras neuropáticas no pé diabético: perfil de tratamento

Adesão terapêutica dos doentes transplantados na unidade de transplantes do Hospital Curry Cabral

O doente e o cancelamento da cirurgia

Monitorização hemodinâmica invasiva

A drenagem torácica e as suas implicações

 

 

EDITORIAL

Mais uma vez o Estado através do XIX Governo Constitucional, com o argumento da imposição

do programa de ajustamento, se prepara para cortar nos vencimentos dos funcionários públicos, afirmando que este é um corte necessário na despesa do Estado e que é uma forma de evitar a subida de impostos.

De fato quando se fala em impostos estamos habituados, porque assim é que deve ser, nomeadamente os que incidem sobre o rendimento das pessoas, que eles sejam aplicados a toda a gente, se possível de uma forma progressiva (i.e. os mais possidentes pagam percentualmente

mais). Ora neste caso dos cortes eles não se aplicam a toda a população e, or isso, não têm esse carater de "universalidade" que um imposto deve ter. A questão que se coloca é se o corte no salário dos funcionários públicos não é uma forma de imposto encapotada e por isso ilegal e

injusta porque não se aplica a toda a população.

Mas estes cortes têm também um significado politico-ideológico muito sério, uma vez que são uma forma de desvalorizar o trabalho, o que é preocupante para as pessoas individualmente, mas também para o país. Como é possível ter trabalhadores motivados de barriga vazia? Como é possível ter trabalhadores motivados preocupados por não saberem se o dinheiro chega para pagar a casa, a educação dos filhos, etc? Será que não perceberam que é a força do trabalho e os trabalhadores que são o motor da economia, que produzem, que tornam as sociedades competitivas? Será que ainda não deram conta que sem dinheiro a circular não há procura interna, as empresas vão à falência, porque as pessoas não compram os seus produtos?

Esta desvalorização do trabalho é também notória quando, em contra-ciclo com o que se passa no resto da Europa, se decide aumentar o número de horas de trabalho para as 40h.

Que aumento de produtividade é que esperam? Claro que aumentando o número de horas de trabalho vão precisar de menos trabalhadores, mas será que a produtividade aumenta, será que um Enfermeiro rende o mesmo quando trabalho 35 ou 40 horas? Penso que não e por isso entendo que não é apenas a questão da desvalorização do trabalho que está em causa, mas toda a estrutura de cuidado e de serviço público para os cidadãos que se pretende prejudicar.

Claro que neste ambiente há sempre os que conseguem passar nos intervalos da chuva continuando a usufruir de todas as mordomias dum estado que se preocupa mais com o deve e haver dos mercados, esquecendo-se que o capital dos capitais são as pessoas. A este propósito gostava de comentar o que foi negociado há alguns meses com um grupo de funcionários públicos.

A esse grupo foi proposto aumentar o número de horas de trabalho com o correspondente aumento de vencimento. Até aqui tudo bem não fora a injustiça e a inequidade que esse fato gerou e ter sido utilizada informação privilegiada nessa negociação. Sabendo o Ministro que o horário de trabalho ia aumentar na função pública para as 40h antecipou esse aumento e atribui-lhe o correspondente aumento na folha de salário privilegiando assim, mais uma vez, um grupo profissional que se sabe ser muito avesso ao cumprimento de horários e que até os utiliza como forma de obter mais rendimento. Onde está a justiça?

 

António Fernando Amaral, Enfermeiro