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EDITORIAL
A enfermagem – da obediência à confiança/responsabilidade

No início do século XXI a enfermagem, profissão mais antiga do mundo, está confrontada com vários paradigmas, que se podem tornar excelentes oportunidades de desenvolvimento profissional ou não, dependendo da forma como soubermos lidar com eles. Um desses paradigmas situa-se precisamente na questão da mudança da obediência, para a qual fomos formados durante mais de um século, para um paradigma confiança/responsabilidade. Esta mudança que decorre do percurso académico que a enfermagem soube trilhar e que hoje nos permite tomar decisões com base em juízos por nós elaborados, assumindo as consequências pelos resultados obtidos. Este posicionamento, no panorama da saúde em Portugal e na Europa, torna-nos imprescindíveis aos doentes, que sem os enfermeiros não seriam capazes de ultrapassar as suas necessidades, às famílias, que contam connosco como suporte à para a continuidade de cuidados e a população, naquele que é o nosso papel essencial - o de educação para uma vida mais saudável.
Nesta perspectiva é esperado dos lideres de enfermagem nas instituições e nas unidades de saúde que estejam atentos a este fenómeno e (re)equacionem as práticas de gestão, no sentido da valorização do capital que hoje detêm os colegas, entendendo a mais valia que representam não só pelos turnos semanais que fazem, mas pelo saber que detêm, aproveitando-o em benefício dos utilizadores dos cuidados.
O que hoje está em cima da mesa nas unidades de saúde é uma necessidade evidente de existir confiança no seio dos enfermeiros, confiança essa baseada em autonomia na decisão sobre o processo de cuidados de enfermagem, garantindo as condições de exigência e responsabilidade inerentes a uma prática de excelência. Para tal é necessário responsabilizar-nos por regularmente analisar o trabalho que desenvolvemos e reconhecer eventuais falhas que mereçam mudança de atitude, procurando adequar as normas de qualidade dos cuidados às necessidades das pessoas. Naquilo que são as competências e funções de cada um, o dever zelar pelas as condições de trabalho que permitam exercer a profissão com dignidade, deve ser básico. Também nas actividades a delegar é exigido que se proceda em conformidade com a preparação do funcionário, não ultrapassando as suas competências, assumindo a responsabilidade das mesmas. Estes aspectos simples são hoje de enorme relevância no panorama das movimentações que se operam no campo da saúde e da educação, com tentativas diversas por parte da tutela de beliscar o exercício das nossas competências e responsabilidades, consignadas no REPE, atribuindo a outros actividades que são da responsabilidade dos enfermeiros e mesmo substituindo-nos de forma ilegal. Temos neste processo saber estar e desenvolver uma prática de clara responsabilização pelos actos que praticamos e de denúncia das ilegalidades, lembrando aos cidadãos que o seu estado de saúde piora se não for cuidado por enfermeiros. Com todas as tentativas várias de beliscar a profissão, espero que alguns colegas não fiquem tentados em aceitar as propostas do governo de criar enfermeiros de “prática avançada”, há semelhança do que existe já em alguns países da UE e nos EUA, que podem prescrever análises e terapêutica medicamentosa simples, tornando-nos médicos pequeninos. Estamos hoje num patamar onde isto para nós já não faz sentido, assim como não o faz, a possibilidade de oferecer cuidados de enfermagem de 2ª classe aos cidadãos.

Carlos Margato