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EDITORIAL

Os ciclos políticos trazem sempre consigo naturais vontades de mudar e de inovar. Sempre que um novo governo toma posse, um conjunto de novas medidas, novas estratégias vêm à tona. Nos últimos anos assistimos à queda de uns e ao renascer de outros, mas num ponto parecem estar de acordo – afrontar algumas medidas de política social. Claro que neste governo é fácil encontrar diferenças nas preocupações sociais relativamente ao governos anteriores, no entanto no que à saúde, nomeadamente ao seu financiamento, diz respeito parece querer seguir na senda de colocar em causa um princípio constitucionalmente aceite que é o do direito universal de se poder aceder a cuidados de saúde, como forma de garantir o direito à saúde.
Em Portugal o direito à saúde é constitucionalmente garantido. Esse direito é consubstanciado pela oferta universal geral e tendencialmente gratuita, levada a cabo por um serviço público de prestação de cuidados: o Serviço Nacional de Saúde.
Ora o que tendencialmente é colocado em causa, sempre que se entra num novo ciclo político é exactamente este carácter da oferta de cuidados aos cidadãos portugueses. Desta vez sob a forma de ligar, o já elevado, esforço financeiro das famílias na despesa com a saúde, aos rendimentos. Sua Ex.ª o Sr. Ministro da Saúde falou mesmo de uma certa forma de indexação progressiva, da contribuição na despesa em saúde, aos rendimentos. Ora todos sabemos que vivemos num país onde prolifera a fuga e a evasão fiscal o que, a introduzir-se um medida como esta, iria agravar os aspectos da equidade que um sistema fiscal, e de redistribuição sob a forma de políticas sociais, deve garantir.
A seguir o Sr. Ministro introduziu um novo aumento das taxas moderadoras e justifica-o com a necessidade de se moderarem os consumos em algumas áreas de cuidados. Sabe o Sr. Ministro que o efeito das taxas moderadoras na redução da procura é apenas marginal. Primeiro, porque necessariamente tem que isentar muitas pessoas, sobretudo os grupos vulneráveis e os que possuem um rendimento muito baixo, que são quem mais necessita de cuidados. Por outro lado o SNS não se torna mais eficiente com medidas moralizadoras do lado da procura, mas com medidas de racionalização do lado da oferta.
Será justo obrigar um consumidor a pagar uma taxa moderadora sobre um exame complementar de diagnóstico, eventualmente desnecessário, quando a tomada de decisão sobre esse consumo não está do lado de quem o vai consumir, mas sim do lado de quem o prescreve?
Quem deveria ser penalizado? O consumidor ou o prestador ineficiente, tal como acontece noutros países?
O nosso SNS gasta cerca de 22% do seu orçamento em medicamentos, claro que aqui não há taxa moderadora, mas será que do ponto de vista político basta actuar ao nível dos lucros das empresas farmacêuticas, do incentivo ao mercado de genéricos sem nenhuma intervenção moralizadora sobre os prescritores?
Muito do dinheiro gasto em saúde é de facto mal gasto. É necessário tomar medidas de racionalização da despesa, mas como já alguém disse, para meter golo não se pode esperar que a baliza se mova do lugar.

António Amaral