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A área da saúde é reconhecida, a nível nacional e internacional, como bastante vulnerável no domínio da violência/agressividade no local de trabalho, principalmente nas áreas onde os profissionais estão em contacto directo com o público e com casos de elevada ansiedade e stress.

 

Vários estudos referem que os enfermeiros são a classe profissional que mais se encontra exposta a actos de violência/agressividade e ainda que um serviço de urgência é dos locais onde se verificam maior número destes episódios. Actualmente, as pessoas vivem num frenesim, um corre – corre, num contra-relógio constante, implicando que todas as suas necessidades sejam urgentes e de imediata resolução.

 

Quando se dirigem a um serviço de urgência, como doentes ou como familiares/acompanhantes estão sujeitos a altos níveis de ansiedade, pedem e exigem eficiência e eficácia no atendimento e, fundamentalmente, rapidez, o que em determinadas situações se pode tornar contraproducente. Por outro lado, a equipe de saúde está sujeita a pressões, tanto profissionais como pessoais, além do grande número de doentes a cuidar, que os obriga a rápidas e eficazes respostas. Estes dois tipos de atitudes e comportamentos quando se encontram podem ser geradores de conflitos e agressividade.

 

A Organização Mundial de Saúde define agressividade como “todo o uso intencional de força física ou de poder, real ou ameaça, contra a própria pessoa, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que pode resultar em, ou tem alta probabilidade de resultar em morte, lesão danos psicológicos, alteração de desenvolvimento ou de privação.” Este é um tema que preocupa bastante todos os profissionais que no seu quotidiano contactam com doentes, em estado psicótico agressivo, tendo sido preocupação recente da Direcção Geral de Saúde, que em Maio de 2007 publicou a Circular Normativa nº 08/DSPSM/DSPCS sobre “Medidas preventivas de comportamentos agressivos/violentos de doentes – Contenção Física” a aplicar em hospitais do Serviço Nacional de Saúde e ARS, serviços locais e regionais de Saúde Mental, Instituto da Droga e Toxicodependência e unidades de cuidados pertencentes à Rede Nacionalde Cuidados Continuados Integrados.

 

Esta circular visa proteger o doente em estado psicótico de agressividade que se dirige a estes serviços, os profissionais que aí trabalham e também os outros doentes. “…torna-se necessário adoptar medidas de contenção, tendo em vista a sua protecção e a do meio envolvente…” .

 

A agressividade num doente pode surgir de uma forma inesperada. Logo que ela surja e, sempre que possível, deve ser tentada a realização de uma abordagem verbal como forma prioritária de contenção. Quando esta abordagem não for eficaz poder-se-á recorrer à contenção física, sempre com o objectivo de evitar danos à integridade física do doente, da equipe multidisciplinar, de outros doentes, bem como de danos materiais e patrimoniais da instituição.

 

A contenção física, quando não evitável, deve ser feita de forma adequada, sendo necessária a colaboração de cinco profissionais (quatro para imobilizar os membros e um para proceder à sua contenção), que coordenadamente, e o mais calmamente possível, procederão à imobilização do doente. Toda esta actuação deve ser realizada em local recatado, respeitando a privacidade do doente a imobilizar e protegendo também, desta forma, os outros doentes do contacto com a agressividade da situação. “Quando a situação clínica do doente é impeditiva… da administração de fármacos, poder-se-á recorrer à contenção física” O enfermeiro perante uma situação de agressividade inesperada, que o poderá ser considerada quase na sua totalidade, deverá actuar já que está a exercer o seu mandato profissional sobre a égide do Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro e do respectivo Código Deontológico. A decisão da imobilização não é tomada de ânimo leve, é uma decisão reflectida, tendo em consideração toda a avaliação da situação clínica do doente, respeitando a sua integridade física, a sua privacidade e a sua dignidade como pessoa.

 

No ponto 9 desta Circular Normativa podem encontrar-se dezoito itens referentes à vigilância e avaliação contínuas do doente, estando sempre inerentes a esta tomada de decisão os princípios éticos da profissão. A garantia da privacidade, a temperatura adequada e a conveniente ventilação do local onde é feita a contenção física; a contínua vigilância; a inexistência no local de objectos perigosos que possam por em causa a integridade física do doente; faixas de contenção devidamente apropriadas para a situação; camas com grades laterais como forma de protecção, apoio e segurança; enfaixamento dos membros superiores, inferiores e tórax; enfaixamento adequado prevenindo-se as lesões resultantes da fricção; vigilância dos sinais de alteração da circulação e perfusão dos tecidos, resultantes da compressão do enfaixamento, em intervalos regulares nunca superiores a 30 minutos, são normas obrigatórias a seguir durante a contenção física como forma de respeito pela integridade, a privacidade e a dignidade do doente como pessoa necessitada dos cuidados de enfermagem

 

Em todos estes itens estão necessariamente implícitas e inerentes as boas práticas dos profissionais. Esta contenção física deve ser limitada no tempo, privilegiando a contenção farmacológica ou outra, devendo para isso estar atenta toda a equipe de saúde, principalmente os enfermeiros por serem os mais presentes prestadores de cuidados. Todo este procedimento de contenção física terá obrigatoriamente de ficar registado, em todas as suas particularidades, no processo clínico do doente. Numa visão global, observando como se actuava antes e após Maio de 2007, ou seja, antes e depois da publicação da Circular Normativa, poder-se-á constatar que as boas práticas dos enfermeiros mantêm-se existindo agora um documento normativo que rege e legitima toda a actuação neste domínio.

 

Sendo esta uma temática em estudo já antiga, a publicação da circular normativa, vem reforçar as reflexões, contudo já se podem discernir algumas sugestões com o intuito de prevenir ou minimizar os actos de agressividade e a necessária contenção física:

 

– Dotar as instituições de recursos materiais e adequar estruturas físicas que permitam actuar conforme as orientações da Direcção Geral de Saúde;

 

– Diminuir tempos de espera nos serviços de urgência;

 

– Fornecer maior informação aos doentes familiares sobre os procedimentos a realizar e tempos de espera nos serviços de urgência;

 

– Melhorar segurança para doentes em estados psicóticos de agressividade;

 

– Implementação de momentos de reflexão, entre os profissionais de saúde, sobre esta temática,

 

– Aumento da formação e informação dos profissionais de saúde.

 

A contenção física deverá ser o último dos recursos na abordagem do doente em estado agressivo, privilegiando a contenção verbal e farmacológica. Perante esta situação, a imobilização física deve ser fruto de reflexão da equipe de saúde, tendo sempre em conta que os eventuais efeitos contraditórios dessa contenção para o doente serão sempre muito inferiores às eventuais lesões causadas a si próprio, a terceiros ou ao meio envolvente provenientes do seu estado de agitação e agressividade

 

As boas práticas devem estar presentes de modo a respeitar a integridade física do doente e também todos os seus direitos como pessoa humana.

 

Rita Fonseca