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No passado dia 25 de Maio a Direcção-Geral da Saúde produziu uma Circular Normativa que tem como objectivo emanar normas relativamente a “medidas preventivas de comportamentos agressivos/violentos de doentes – contenção física”, para além de vários aspectos relativos ao assunto mencionado, faz várias referências aos enfermeiros, clarificando que os enfermeiros têm a competência necessária para dar inicio a medidas de contenção em situação de urgência, esta não é uma novidade para todos nós, no entanto sabemos que há quem se depare com dificuldades na tomada de decisão para adoptar medidas de contenção. Dificuldades que não são de ordem ética, dado que todos temos presente, por dever, a preservação do valor intrínseco e dignidade de cada pessoa, a promoção do maior bem, os direitos, deveres e objectivos de todos os participantes no processo de cuidar. Esta circular esclarece, aos que eventualmente ainda tinham dúvidas que quando está em risco a integridade física do doente ou de terceiros, o enfermeiro deve adoptar as medidas necessária para minimizar esse risco; esta responsabilidade era já assumida por todos nós há muitos anos e confirmada em forma de Dec.-Lei desde 1998 (Regulamento do Exercício da Profissão dos Enfermeiros e Código Deontológico do Enfermeiro). Enfatiza ainda a importância da avaliação das medidas de contenção ser efectuada pela equipa terapêutica, esta é já uma prática corrente nas equipas de saúde, embora nem sempre assumida formalmente. Analisando mais atentamente o documento, verificamos que logo na introdução se faz menção à necessidade de as instituições estarem dotadas de pessoal suficiente, com competências técnicas específicas, nomeadamente enfermeiros, para acompanhar os doentes, curioso!!! Perguntamo-nos se esta Direcção-Geral não faz parte do mesmo Ministério da Saúde que não está a renovar contratos a enfermeiros, promove a redução de enfermeiros nos serviços não atendendo às horas de cuidados necessárias para a prestação de cuidados, permite que haja enfermeiros no desemprego quando há unidades de saúde e populações que necessitam destes profissionais.

 

Quando faz referência a enfermeiros com competências específicas para lidar com episódios de agressividade, são certamente Enfermeiros Especialistas em Saúde Mental e Psiquiátrica, sabendo que houve um interregno de vários anos na formação de enfermeiros especialistas e que não são visíveis os esforços para recrutar estes profissionais, não estaremos na presença de mais uma declaração de boas intenções, uma vez que verificamos a sobreposição das razões económicas, ou antes economicista sobre as de ordem ás técnica. A circular apresenta um conjunto de normas, explicita o que se entende por contenção física, em que circunstâncias se deve adoptar este procedimento e o recurso a isolamento, regras a seguir na contenção física, alerta para a limitação no tempo destas medidas e necessidade de avaliação frequente pela equipa terapêutica, necessidade de consentimento informado (quando possível), bem como a importância de ter presente a Lei de Saúde Mental nos internamentos compulsivos, cria o registo nacional de episódios de contenção física. Este conjunto de normas não nos suscitam grandes questões de ordem ética, técnica ou legais, entendemos como útil a criação de um registo que nos permita conhecer a dimensão do problema a nível nacional, no entanto surgem-nos dúvidas de ordem operacional. Não basta emanar normas e criar registos para normalizar procedimentos, é verdade que o arsenal terapêutico tem vindo a ser cada vez mais eficaz no controlo das situações de agressividade e agitação, os meios técnicos permitem diagnósticos mais rápidos, os meios para contenção e isolamento disponíveis permitem evitar danos ao doente, os enfermeiros acompanham a evolução cientifica, no entanto é necessário que exista vontade efectiva, dotando os serviços com o número de enfermeiros necessários e preparação adequada, para que a circular normativa não seja letra morta.

 

As duas últimas linhas do documento fazem apelo à inscrição do processo de contenção física nas prioridades de formação dos profissionais de saúde, os enfermeiros têm demonstrado ao longo dos anos grande capacidade de adaptação desenvolvendo os seus percursos formativos de acordo com os desafios que se lhe apresentam, pelo que nas suas prioridades de formação inscreverão também outras estratégias que devem estar a montante deste procedimento limite.

 

Estamos certos que a DGS vai ser coerente na relação discurso/prática. Cá estaremos para aplaudir, se for caso disso.

José Carlos Januário